quinta-feira, 11 de novembro de 2010

MARIA BETÂNIA


                                                                                  
                                                    MARIA BETÂNIA
                                         A PRIMEIRA - DAMA DA MPB


     Falar que Maria Betânia é uma grande cantora, intérprete - talvez até mais intérprete e atriz do que cantora - é lugar comum. É batizar o óbvio com água benta tendo como fundo musical o afinadíssimo coral dos anjos, arcanjos e serafins fazendo coro para uma das cinco melhores representantes da MPB que já surgiu no cenário artístico em todos os tempos. Igual, no mesmo patamar, somente as eternas e saudosas Dolores Duran, Elis Regina e Maysa Matarazzo, além da não menos magistral Gal Costa, outro orgulho (vivo!) pras terras do Senhor do Bonfim. O resto - com raríssimas excessões - é presepada, baticum em fundo de garrafa ou lata como numa brincadeira de criança, piada de mau-gosto tocada nas rádios, CDs e palcos de shows descompromissados com a qualidade artística-cultural, para um público sem noção e educação musical, acostumados desde sempre a remexer os quadris ao som de qualquer porcaria que se ouve por aí com cantores (?) que não tem discernimento para perceber que estão na carreira errada. Deveriam ser - por causa dos belos físicos (aliás os neurônios desta gente deve se localizar no bíceps) - desportistas e ficar de boca fechada, conceder entrevistas na base dos sinais. Talentos (?) fabricados no imediatismo - por sucesso e retorno monetário - dos trios elétricos que povoam (e destoam!) as ruas de uma Bahia onde dizem não se nascer. Estreia-se. Será? Realmente, excessões à parte - e toda regra tem uma - apenas Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Claudia Leitte, Virgínia Rodrigues, sem esquecer àquela voz poderosa ( e inesquecível ) de Marinês, ex-banda Reflexus, lembram? Mas, voltando à filha mais famosa do recôncavo baiano, tudo, ou quaze tudo, já foi dito e escrito nestas quatro décadas de sucesso sobre esta grande e inimitável estrela da música popular. É sabido que ela começou carcareando pelos teatros Vila Velha e Opinião, palcos que tiveram a honra de sentir sobre suas madeiras o peso dos primeiros passos de Betânia a caminho dos píncaros da glória.
     Filha de Claudionor Vianna Telles Velloso, a matriarca mais conhecida e respeitada de Santo Amaro da Purificação, irmã de Caetano e da escritora-poetisa Mabel Velloso, entre outros não tão renomados assim, Betânia, apezar do contato diário que mantêm com a mãe através de telefonemas, não é, como pensam alguns desavisados que não conhece as regras do solar da avenida Vianna Bandeira, a "queridinha" de d. Canô por ser a mais célebre. A centenária Claudionor trata todos os seus herdeiros, artistas ou não, com igualdade, com o mesmo carinho e atenção, além de uma comovente devoção de mãe que impressiona qualquer insensível que pegue a estrada para conhecê-la de perto, ouví-la falar de seus filhos no casarão comprado por seu Zequinha com o dinheiro ganho na loteria quando Caetano nasceu. São estórias (e não lendas) como esta que tornam a família fascinante e culturalmente ímpar. Estórias de um casal que, apezar dos poucos recursos financeiros gerados como gerente dos Correios e Telégrafos, soube educar com dignidade todos os filhos, além dos adotados, a exemplo de Eunice Souza Oliveira, a Nicinha, adotada em 1931, e Irene - imortalizada nos versos da canção do mano Caetano - em 1955. A verve artística da família vem desde os tempos de Claudionor menina e adolescente, quando participava de inúmeros espetáculos teatrais, bailes pastoris (espetáculo natalino de tradição portuguesa tão comum aqui no nordeste). A menina Claudionor, futura d. Canô, teve também seus momentos de glória nos palcos da vida, como na peça "Em Busca da Felicidade" onde interpretou Josabel, uma cigana. Não é de estranhar que educada no colégio das Sacramentinas por freiras brasileiras e francesas, lesse com avidez e compenetração própria da idade "Os Miseráveis", de Victor Hugo, clássico da literatura mundial em todos os tempos, em sete volumes...(?)... É de se aplaudir, de "se tirar o chapéu" - como diria a falecida d. Mariáh, professora de minha mãe, lá no interior - uma criança desta tão diferentemente das de hoje em dia, educadas (?) por pais irresponsáveis, axezeiros (e muitas vezes "sacizeiros") na cultura do arrocha e das palavras de baixo calão, gestos e comportamentos obscenos.
     Betânia-criança seguiu o exemplo da mãe e vivia cantando pelos quatro cantos da casa dizendo a todos e, principalmente, para a irmã Clara Maria, sua madrinha de batismo, que seria cantora. Graças à Deus, e para o bem de todos, seu sonho tornou-se realidade. Seu nome, não tão comum assim, foi dado por insistência de Caetano aos pais, enquanto ela era gerada no ventre da mãe. "Vai ser mulher e vai se chamar Maria Betânia", repetia incansávelmente o menino que já chamava a atenção por sua refinada musicalidade aos 11, 12 anos de idade, quando tocou um famoso minueto de Haendel em ritmo de samba. E foi assim, como Maria Betânia mesmo, que a futura rainha, imperatriz e primeira-dama da MPB  foi batizada, depois de um sorteio familiar feito por seu Zequinha. E olhem que naquela época o menino Caetano, apezar que em sua casa respirava-se arte e cultura do raiar ao pôr do sol, não conhecia ainda a canção homônima de Nélson Gonçalves.
     Outro fato interessante na vida de Maria Betânia: ela foi menosprezada, deixada de lado por seus colegas, porque não gostavam de sua voz. Inconcebível! Mas, aconteceu. Ela estudava no convento dos Humildes e não a colocaram no coral das missas dominicais porque, diziam, sua voz era horrenda. A única que gostava de ouví-la cantar era justamente sua fã número um futuramente, d. Canô. O tempo passou -e nada como o tempo para dar tempo ao tempo - e se encarregou de mostrar aos medíocres, incapacitados, que não deveriam ter tido a ousadia de julgar a voz de Betânia. Acredito, pessoalmente, que deve ter aí um pouco de inveja, perseguição das grossas por parte de colegas que hoje, certamente, são... quem mesmo? Nada, ninguém de importância e assistem, revoltadas, o sucesso de Betânia. Toda essa animosidade talvez deva ter um pouco de sentido, visto que - aos olhos de todos - Betânia era um pouco "diferente": introspectiva, de poucos amigos, observadora, inteligentíssima (e o karma dos inteligentes não é a solidão?), traços de personalidade que, naturalmente, causava uma ponta de ciúmes. Betânia não deixou por menos e, sábiamente, decidiu mostrar para todos que se achavam (eu disse achavam) melhor que ela - e nunca foram - o talento que a fazia distanciar-se cada vez mais das pessoas comuns, da plebe, do feijão com arroz dos seres-humanos. Aprimorou seus dotes artísticos-musicais e chegou, então, ao templo das artes baianas naqueles idos (a década de 60): o teatro Vila Velha. Um dia, e sempre tem um dia quando o mundo descobre os bons, Nara Leão a ouviu cantar numa de suas vindas à Bahia. De volta ao Rio e, consequentemente, ao show que estrelava no teatro Opinião, Nara precisou se afastar. E quem ela recomendou aos produtores para lhe substituir? A baianíssima - a promessa da música - Maria Betânia. Era o leão dando vez, voz e lugar para o pássaro carcará. Um pássaro que se transformou em musa, diva, ícone e lenda viva da MPB.
     Do teatro Opinião para os holofotes internacionais do Carnegie-Hall e Olympia. Nova Iorque e Paris iria aprender a aplaudir, de pé, Maria Batânia Vianna Telles Velloso. Ou simplesmente sua Majestade. O mundo logo se rendeu aos encantos - e cantos! - da baiana faceira que tinhaalgo mais a oferecer, além da voz que outrora fora criticada por seus conterrâneos despeitados: a interpretação, o domínio absoluto dos palcos onde se apresentava. (Nada como um dia após o outro e o riso, efêmero, dos inimigos; morram de inveja, suas mocréias despeitadas!). Roma, Paris, Madrid, Nova Iorque, Lisboa... Foi justamente na capital portuguesa que d. Canô surpreendeu-se e emocionou-se às lágrimas quando viu a platéia embevecida e todos, todos mesmo, com os isqueiros acesos. São fatos que chegam ao nosso conhecimento e nos fáz acreditar que Betânia nasceu predestinada, com o talento correndo solto nas veias. Não um talento fugáz, pré-fabricado por empresários mercenários em busca do sucesso "bundante" (se é que me entendem!) rápido, de linguagem desclassificada que consagra os inferiores artísticamente por um período determinado nos arrochas, pagodes e axés da vida, para depois, quando esse tempo passar, esses mesmos serem atirados sem dó e nem piedade no poço do ostracismo.
     Maria Betânia é o diferencial entre "estes e àqueles". (Aliás, é até covardia comparar essa gigante com esses anões da mediocridade). Ela não é somente cantora, intérprete reconhecida pelo mundo afora, pelo povo e a crítica. Betânia é relações-públicas de sua mãe nos assuntos que requer intermediação de um nome de peso, famoso, para resolvê-los. Tanto que conseguiu fazer com que o então governador da época - ACM - restaurasse a igreja matriz de Nossa Senhora da Purificação com um simples telefonema seu. Falar sobre esta personalidade santamarense, baiana, brasileira e mundial, requer muito tempo, muitos dias de conversa. Conhecer, tocar, ouvir, sentir, viver, presenciar o fenômeno, a pessoa Maria Betânia - que não gosta de ler jornais - é como morrer e estar diante de todas as maravilhas e recompensas celestiais. Sua aparição na cena da vida é igualmente triunfal como na cena do palco: deslumbrante, um colosso. Não importa a distância, a cidade; vai-se atrás dela a pé, de avião, de buzú, no lombo do jegue, até São Paulo, Rio, Salvador, no Oiapoque, no Chuí, sem medo de errar, sem medo de gozar momentos de extrema felicidade. Grandes metrópoles, grandes casas de espetáculos tornaram-se pequenas diante deste talento. A Europa com toda sua tradição de boa música e a América - não tão idosa assim - mas também não menos rigorosa com relação aos melhores artistas, é criteriosa no item qualidade. E aplaude de pé a emoção que emana por todos os poros de Betânia quando ela está sobre o palco. E Betânia num palco é uma rainha no seu trono, uma sacerdotisa no altar. Altar este que não é profanado por uma sacerdotisa, a qual não envergonha seus discípulos - neste caso, os fãs - pagodeando ou arrochando letras (?) sem nexo, que podem ser tudo, menos música. E tudo de ruim, chérrie!
     Para se fazer admirada, amada e respeitada, ter sucesso, Betânia não precisa fazer média - como uns e outros por aí - com grupinhos de nonagésima nona categoria (se é que tem alguma!), em ensaios e festas de verão, músicos de uma nota só, de rimas e refrões que, acintosamente, despudoradamente, atentam contra nossa audição em butecos de esquina, nas praias, na vizinhança incomodativa e sem desconfiômetro, nos estridentes alto-falantes dos automóveis de donos que "nunca comeu melado"... Situações deselegantes que temos de conviver diáriamente, principalmente nos bairros populares, nas cidades do interior. Grupinhos sem nenhum talento aparente - a não ser o fisiculturismo, a burrice crônica e o rebolation - sem nenhum comprometimento com a moralidade, já que, sem trocadilho, seu único "atrativo" (além das calças coladas ao corpo e um belo derriére) é a imoralidade de suas coreografias, de duplo - e explícito - sentido que só agrada e fáz sucesso com um público que não pode ter, ou não quer, acesso à boa música, aos cantores e grupos de nível. A indecência para essas pessoas de gosto e estilo de vida duvidosos, corre na contramão da sensualidade. E sensualidade é o que a nossa diva tem de sobra. (Essa geração teen precisa de um curso urgente de coisas boas da vida).
     Falar que Maria Betânia é adepta fiel dos rituais do camdomblé, uma das pupilas mais famosas do terreiro do Gatois e ao mesmo tempo devota de Nossa Senhora da Purificação, não é nenhuma heresia. A seita de origem africana e a religião católica milenar fundem-se misteriosamente no sangue dela. Caseira, avessa as badalações do meio artístico, Betânia dorme e acorda cedo quando não está em turnê. Por incrível que pareça, ela mesma apara as pontas de seus longos e sedosos cabelos. Profetiza, não errou quando disse há anos atrás que Ivete Sangalo seria o que é hoje em dia muito antes da juazeirense cair nas boas graças do público. Apezar de toda sua divindade artística-musical, Maria Betânia é a personificação da generosidade quando é apresentada a novos talentos, seja em que área for. Recebe e trata todos com uma elegância, uma classe... Porém, ela sabe separar o "joio do trigo", o "alho dos bugalhos", mantendo - não poderia ser diferente - uma distância digna e respeitosa com àqueles chatos de carteirinha, os "malas" de plantão, os quais, sem ter o que dizer, se aproximam dela apenas para ver, tirar a tal "foto pros amigos". Verdadeira, transparente, Betânia está acima do bem e do mal, dos comentários maledicentes e caluniosos de pessoas que querem falar mal, denegrir sua imagem. De tudo ela já foi chamada, rotulada, mas como dizia o mestre, o papa do colunismo brasileiro (Ibrahim Sued) "os cães ladram e a caravana passa"... Ademã!... Não adianta inventarem que ela fez, que ela disse isso e aquilo, porque Betânia não irá dar ouvidos, ela está adiante do seu tempo, à quilômetros-luz do mesmismo, da vulgaridade. Por tudo isso, não é exagero algum quando se diz que Betânia, a fera que de ferida não tem nada, veio ao mundo para cumprir um grande papel: brilhar, reinar absoluta sobre tudo e todos, passar, não olhar e ser vista, comentada, bem ou mal (mas falem, badalem seu nome!). Cantar e cantar... e não cacarejar nas rádios como várias por aí que confundem palco com poleiro e cloaca com útero. (Tem mulheres, muitas delas, que se acham o máximo - "eu sou mulher" - por terem tido o previlégio de nascer fêmeas, mas, se por um segundo, olhassem suas tristes figuras no espelho, a inutilidade, a falta de valor de suas vidas inexpressivas, transformariam-se correndo... deixa pra lá!.
     Maria Betânia canta mesmo. Interpreta. Vem de dentro para fora. Sente no fundo do coração e da alma a letra da canção. Caras e bocas, pulos de uma lado ao outro do palco, ela não fáz. Ela o domina simplesmente voando como um pássaro em liberdade. Sensualmente, elegantemente. Nossa abelha-rainha. Cabe a nós, súditos, a plebe boquiaberta, extasiada, aplaudir. Quer queira ou não.
     Au-revoir para todos que me criticam ou aplaudem. Na próxima quinta-feira, se Deus quizer, aqui estarei. Eu aqui e vocês daí. C'est la vie!


                                                                                                                                                                                                  SANFERR, 11.11.2010

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              P   A   T   R   O   C   Í   N   I   O



4 comentários:

  1. Tava ansioso para ver esse artigo postado. Pq a demora? Tá melhor do que eu podia imaginar. Tem história, né, Sanferr? Lembra de tudo, todos os momentos, nos mínimos detalhes, deste artigo? Se eu já era fá, gostava e admirava o trabalho dela, depois, então, de toda aquela maratona. Nos falamos em off por e-mail, celular. Saudades! Toninho.

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  2. SABFERRRRRRRRR!!!!!!tá com tudo, hein, rei dos blogs? Até patrocinadores já conseguiu. Agora que essas empresas vão vender, hein! Todo mundo vendo as logomarcas delas em sua página na net. Qt ao artigo, vou ler agora. Tava aqui no trabalho acessando toda hora. É como esse mantonio disse: demorou. Poste seus artigos cedo, de manhã. Vou ler e depois nos falamos.

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  3. Agora que passou o período eleitoral e com este artigo sobre a grande MARIA BETÂNIA, espero que a linha editorial de sua coluna seja voltada mais para as celebridades. Estamos acompanhando sua trajetória com interesse.

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  4. Estar com SANFERR e mais uma vez com sua família, unida, feliz e acolhedora, é um prazer e previlégio para poucos. E quem desperdiçam esta rara e única oportunidade, de conviver com SANFERR, deve ser louco, pois meu AMIGO é 10. Ser amigo dele e privar de sua companhia é uma delícia. Cada vez que nos encontramos, estamos juntos, bem juntinhos mesmo, vivenciamos momentos e dias inesqucíveis, é um presente de Deus. Comer a caranguejada de sua mãe, então! Cada vez eu percebo que existe muito mais que talento por trás daquela fera ferida. Tem um coração, uma alma grandiosa, que incomoda muitas gente, mas agrada profundamente a Deus. É raro de se ver uma família que fala, reza e louva a Deus, honra Maria, a todo instante. SANFERR é merecedor de todo o amor e adoração que a família tem por ele. É comovente assistir ele se emocionar ao ponto de marejar os olhos de lágrimas ao dar uma simples esmola na rua e ouvir da pessoa, "deus te pague, meu filho". Mesmo eu já sabendo que ele é uma manteiga derretida, se emociona com tudo e todos, até um simples e-mail de elogio, um telefonema, desde que o conheci no início do ano aqui em São Paulo. É apenas convivendo cada vez mais com ele, saindo ao seu lado, ouvindo os comentários elogiosos de seus amigos, que aprendemos a conhecer e amar essa figura de personalidade forte, aparentemente difícil, mas doce e carente como uma criança. É só dá colo a ele e se consegue o que quer. E comentários na ausêncis dele quando se levanta da mesa do bar para ir ao banheiro, enfim, não está presente. Sanferr, se eu já gostava de você, o que vi e ouvi neste fim de semana passado ao seu lado e seus amigos que gostam de verdade de você, foi o suficiente para eu ter certeza que você é uma pessoa para não se perder de vista jamais. A nossa despedida foi sofrida, mas a volta será bem vinda. Antes que eu me esqueça: adorei conhecer a ilha de Itaparica e atravessar de ferry-boat. Do seu amigo, parceiro e camarada, TONINHO.

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